Não faltaram sobressaltos na economia mundial e brasileira nesse primeiro semestre, com inflação subindo, o poder de compra encolhendo. O brasileiro, depois de dois anos de restrições sanitárias por causa da covid-19, quer passear, gastar, mas está preocupado com as despesas. As empresas, por seu lado, ajustam estratégias de negócios, e a publicidade, a este cenário.
As companhias, em especial aquelas que fabricam produtos de consumo final, respondem com embalagens menores, cujo preço caiba no bolso, esticam prazos de pagamento, fazem promoções e abrem canal de venda direta ao consumidor. Mas também apostam em festas e em campanhas que possam trazer momentos de distração.
“Foi uma lapada depois da outra”, resume Eduardo Breckenfeld, diretor de estratégia da Ampla, agência que atende algumas das principais marcas do Nordeste. “Covid, guerra da Ucrânia, fechamento na China, inflação”, enumera.
O desejo de consumo se chocou com o momento de alta de preços e escassez de insumos e produtos, diz Raquel Messias, estrategista-chefe da Lew’Lara\TBWA. Ela lembra a dicotomia expressa em pesquisas recentes nas quais o brasileiro afirma que quer poupar e também gastar em viagens.
Segundo uma pesquisa feita em junho pela consultoria Deloitte, 79% dos brasileiros se declararam preocupados com os gastos do dia a dia, mas 68% pretendem viajar e 48% comprar carro.
A compra por indulgência, “aquela do eu mereço”, não acabou, segundo Messias. Mas, para boa parte da população, está condicionada a uma nova realidade de mais aperto. “A viagem sonhada, por exemplo, pode ser reduzida, o hotel pode ser trocado por outro mais em conta”.
A cerveja no fim de semana pode ser o momento de indulgência para uma parcela de mais baixo poder aquisitivo da população, comenta Brekenfeld. “Ele pode moderar nos gastos, mas os bares continuam cheios”.
O brasileiro põe o entretenimento e o prazer num lugar mais destacado do que outros povos, com mais gastos em restaurantes, roupas e lazer, diz Messias. “Continuamos otimistas, 71% acham que a economia vai melhorar nos próximos três anos”. Nos Estados Unidos o percentual cai para 55%.
“Não houve corte em projetos publicitários, talvez congelamento, luzes amarelas”, comenta Paulo Loeb, executivo-chefe na Fbiz: “Há crise, sim, mas dentro deste país, onde o digital tem grande penetração, também tem mais oportunidade”. No primeiro trimestre deste ano, segundo pesquisa do Cenp-Meios, os investimentos em publicidade, segundo dados de 303 agências, somaram R$ 3,45 bilhões. No mesmo período do ano passado, R$ 2,9 bilhões, com 197 agências.
“As marcas estão reagindo de forma muito similar ao que fizeram na crise de 2008”, compara Messias. “Redução de embalagens, troca de produtos, parcelamento de compras até em lugares que não se via isso, como supermercados e postos de gasolina”.
Na Páscoa deste ano os mini-ovos de chocolate ganharam lugar de destaque. “Temos visto mais adaptação de embalagens, mas não remarcação [para baixo] de preços”, lembra Francisco Castro, diretor de mídia da Jüssi, do grupo WPP.
Para produtos de preço unitário maior, as empresas estão esticando o prazo de pagamentos, segundo Castro, que além dos chocolates Mondelez, atende também a Motorola, entre outras companhias.
“No segmento de celulares de maior preço, de todas as marcas, não vemos problema com os consumidores. Não é uma compra por performance, é uma compra por status”, comenta.
As empresas estão explorando também o sistema de venda direta para o consumidor, onde podem fazer ofertas especiais, modelos exclusivos, e mantêm uma margem maior de lucro, já que não podem vender por preços inferiores aos das lojas.
“Estamos assistindo uma procura ainda maior pelo digital por empresas de todos os setores”, diz. “No digital é ainda mais fácil usar os métodos tradicionais do compre já, está acabando, letras maiúsculas e exclamações”, observa Castro.
O executivo também observa que o consumidor está levando mais tempo para concluir uma compra. Está comparando mais preços, é uma constatação unânime de marcas e publicitários.
“Não se trata apenas de comprar o mais barato”, observa a estrategista da Lew’Lara, “mas ele não pode errar e precisar fazer uma segunda compra, se o sabão não lavar como promete”, exemplifica.
As empresas estão fazendo mais ofertas, sim, observa Breckenfeld da Ampla, mas sem comprometer o valor das marcas. “Há também mais aproximação das agências com os clientes, para se encontrar melhores soluções de comunicação, que preservem o valor das marcas”.
Para Loeb, da Fbiz, “a digitalização abre caminhos não triviais: pela primeira vez podemos ter escala, personalização do consumidor e baixo custo, sob o mesmo guarda-chuva”.
Sua agência que atende clientes como Jeep, Google, Unilever e Visa, lançou uma campanha para celulares da Samsung inspirada no programa de televisão “Dança dos Famosos”. Na versão para celular, todos podem se filmar e participar do concurso, que é coordenado por 12 influenciadores.
As participações são reunidas no “reality show “ Let’s Dance e apresentadas em seis episódios semanais, exibidos nas plataformas do Youtube, Tik Tok e na MTV Brasil. No final, os competidores serão desafiados a criar uma dança nova na internet.
No Nordeste, as tradicionais festas de São João foram abertas pela primeira vez neste ano desde que a pandemia chegou ao país, em fevereiro de 2020. Caruaru (PE) e Campina Grande (PB), tiveram públicos recordes. Foram mais de 3 milhões de pessoas em Caruaru, segundo a prefeitura, contabilizando uma entrada de R$ 558 milhões de entrada na economia da cidade, superior à última festa, em 2019.
Em Campina Grande, o jovem ídolo sertanejo Zé Vaqueiro cantou seus sucessos para um público recorde de 150 mil pessoas. As marcas ainda estão calculando os lucros com os festejos que se prolongam até o início deste mês.
As vendas da Pitú, cachaça mais consumida do Nordeste, superaram as expectativas da companhia. “Foi muito importante estar perto, novamente, depois de dois anos sem São João, dos consumidores da branquinha”, disse o presidente da marca Alexandre Ferrer.
Fonte da matéria:https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/07/08/anunciante-ajusta-estrategia-a-novo-cenario.ghtml